A proposta do micélio enquanto elemento construtivo é recente, sendo apresentado como isolamento térmico ou acústico a painéis de revestimento ou blocos, entre diversas outras possibilidades de utilizações. Os ensaios de laboratório e as certificações obtidas credibilizam-no como elemento construtivo e afirmam-no como alternativa capaz às soluções convencionais, destacando-se como material sustentável e inovador na construção e na arquitectura.
por Rafael Vieira
Rede de hifas de micélio, estrutura vegetativa dos fungos. Imagem © Kirill Ignatyev
Mas o que é o micélio? Micélio é a estrutura vegetativa dos fungos, formado por uma rede de filamentos no subsolo chamados hifas. Os cogumelos, a parte mais conhecida dos fungos, é a sua parte visível e reprodutora. O micélio pode ser cultivado em diferentes formas e tamanhos, tornando-o versátil para diversas aplicações. A sua produção envolve a criação de um substrato orgânico a partir de desperdícios e subprodutos agrícolas como cascas de sementes de arroz ou de algodão, aparas ou serradura de madeira, talos de milho e outros. Este substrato orgânico é pasteurizado a vapor, são-lhe adicionados nutrientes, uma pequena quantidade de água e esporos de fungo ou traços de micélio; a mistura é colocada num molde e deixada de reserva num local sem iluminação. No espaço de quatro dias a duas semanas, observa-se que o micélio cresceu e agregou o substrato até à dimensão do molde; é então aplicado calor para travar o crescimento do micélio, matando-o nesse processo. Dependendo da espécie de fungo utilizada, conseguem-se variedades de produto final com um desempenho otimizado com comportamento retardante ao fogo ou dielétrico. O micélio transforma os resíduos agrícolas num material resistente, leve e biodegradável, com possibilidade no uso em painéis de construção, blocos construtivos e até mobiliário. É este produto acabado, com bons indicadores quanto à resistência e durabilidade, que pode ser utilizado na construção. A sua capacidade de isolamento acústico e térmico, além de ignífugo, apresenta-o como uma alternativa ecológica aos elementos e materiais convencionais, como betão, poliestireno extrudido (XPS) ou poliuretano projectado.
Protótipo de Greensulate, linha de produto da Ecovative, produto feito a partir de micélio e substrato de desperdícios. Imagem © Ecovative Design
Material bioconstrutivo da Biohm, painéis obtidos a partir de micélio. Imagem © Biohm
Enquanto material construtivo, requer pouca energia para ser produzido, contribuindo para a redução das emissões de carbono. Por ser natural e compostável, o uso de micélio reduz o impacto ambiental, promovendo a economia circular e a sustentabilidade na arquitectura e construção. Deriva da utilização de desperdícios e subprodutos agrícolas num agregado orgânico, ou seja, é um produto da reciclagem de resíduos; não tem potencial de reutilização, degradando-se naturalmente quando deposto, quando colocado no composto ou envolvido em matéria orgânica, degrada-se no espaço de um mês e, ainda que não seja possível transformá-lo num produto específico reutilizável, pode reentrar no ciclo produtivo como composto.
Hy-Fi Tower, uma torre biodegradável de 12 metros, desenhada por The Living e Arup, construída com dez mil blocos de micélio. Imagem © Arup
A Ecovative Design, empresa norte-americana, desenvolve desde 2007 alternativas ao poliestireno e polietileno de embalagens e construção com soluções em micélio desenvolvido com recurso a desperdícios agrícolas e industriais. Entre os seus produtos conta-se a solução Mushroom Insulation e Acoustics, Mycofoam, com certificação cradle-to-cradle, isto é, produtos de potencial circular que podem ser reciclados ou reutilizados indefinidamente, reduzindo o impacto ambiental. Mycofoam, por exemplo, não possui qualquer potencial de produção de gás de aquecimento global no seu fabrico ou ciclo de vida, exceptuando a produção residual de CO2 dos fungos utilizados. Empresas como a italiana Mogu partilham da premissa da Ecovative Design, assim como a Mykor, que tem uma unidade produtiva em Montemor-o-Novo, Portugal. Esteticamente apelativos e ambientalmente responsáveis, o micélio afirma-se como uma alternativa credível para a sustentabilidade na construção.
Interior proposto por Mykor, que desenvolve o MykoFoam, obtido a partir de micélio e resíduos biológicos. Imagem © Mykor
Painéis de revestimento obtidos a partir de substrato de micélio. Imagem © Biohm